A PAZ E A FORMAÇÃO DA CULTURA DE PAZ E NÃO-VIOLÊNCIA ATIVA NA ESCOLA E NA VIDA.
“Não há caminhos para a paz, a paz é o caminho!” Mahatma Gandhi
A paz, no contexto histórico tomou dimensão pública e explicitou seus sentidos e símbolos inicialmente com seu caráter divino de acordo às mitologias: a Grega - Eirene-Irene (deusa da paz) e irmã da justiça, riqueza, disciplina, ordem e eqüidade; a Romana com Quirino (deus da paz) que guardava as portas da cidade e das moradas associada a Pax Romana que era a Paci Augustae, isto é a paz militar do imperador da época Augusto (Se queres a paz, prepara-te para a guerra); onde se configuravam como protetores da paz nas cidades de Atenas e Roma respectivamente.
Na tradição judaíca e mosaíca, a paz encontra-se em uma variedade de expressões e contextos, a expressão “shalom”, significa em geral completude, fartura, perfeição, felicidade, prosperidade, segurança, vida, salvação, plenitude, equilíbrio, harmonia, etc. Na Bíblia, no Velho Testamento por exemplo, pode-se compreender a simbólica da paz, como a aliança com Deus.
Mais adiante com Jesus Cristo, passa a ser considerado como “Aquele” que derruba fronteiras, limites e recusa a guerra e a violência para se construir a paz. O Cristinanismo, baseando-se no Novo Testamento, considera-o como “Príncipe da Paz”, porque utilizou esta expressão em diversos contextos e momentos da sua vida e elaborou um conjunto de princípios ético-vivenciais, chamado de Sermão da Montanha, no qual destaco o item que ele afirma que: “Bem-aventurados são os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus”.
Na tradição estóica buscou-se a paz, como expressão da liberdade humana, contrapondo-se a servidão e tambem entrelaça-se com a visão romana, mas em algum momento se distancia desta e a reformula com novos conceitos, como: humanidade, serenidade, dignidade, tranquilidade, concórdia, aversão à guerra externa e conflitos civis.
Na tradição platônico-agostiniana, Santo Agostinho colocando suas raízes no platonismo e no Cristianismo, sistematiza e concebe a paz como tranquilidade da ordem, repouso harmonioso, ordenado e hierárquico.
No Renascimento, com o fim do período medieval e dos fundamentos religiosos e místicos, a paz ganha um víes menos religioso e mais humanista, acentado na ética e na política, na desconstrução da visão de guerra justa, enfim, na democracia.
Com o período Modernista, no contexto do Iluminismo, mesmo vinculada na visão anterior, a paz ganha a expressão de “paz perpértua”, baseada na filosofia moderna do direito comum a todos os povos. Fundamentados nesta concepção jurídica da paz pelo Estado, dezenas de autores entre os séculos XVII e XVIII, elaboraram reflexões sobre a paz perpétua, visando a superação de uma série de guerras e conflitos.
Neste mesmo tempo, o filósofo Kant, contestou esta visão e afirmou sobre “a necessidade de se instaurar a paz como fruto de uma decisão racional e de um arranjo social”, introduzindo a distinção entre: armistício (adiamento das hostilidades) e paz (fim das hostilidades) num período em que a Europa estava sendo devastada por sucessivas guerras. Kant pensava que assim como os homens livres se associam para instaurar a paz, os Estados deveriam se confederar para instituí-la, não como uma idéia vazia, intricada em jogos de poder, mas através de uma relação cosmopolita, sólida e duradoura.
A partir do Romantismo, alicercado pelo Arcadismo Rosseau, embora tenha contribuído para o desenvolvimento da paz perpétua, também contribuiu para a uma visão romantizada da paz, marcada pela força da natureza e pela interioridade.
O Socialismo também contribuiu para a paz, Marx entendia a possibilidade de paz apenas após a instauração da sociedade comunista, sendo que a única guerra justa é a dos explorados contra os exploradores e que as outras formas desta só serviriam para reforçar a exploração e a dominação. Proudhon que antagonizava a Marx, criticava essa concepção militar, também religiosa ou mesmo política da paz. A tradição marxista influenciou em níveis diferentes a educação para a paz dos movimentos sindicais e das pedagogias da libertação.
No Liberalismo, o comércio e as atividades econômicas passam a estreitar laços com a paz. Para os liberais, a guerra produz desvantagens, pertubarção e o impedimento do comércio, enquanto a paz possibilita benefícios, por isso a força do dinheiro e o espírito comercial deveriam obrigar os Estados a promoverem a “paz”.
No início do século XX, a Escola Nova, com o movimento gerador da tradição humanista renovadora, propôs os primeiros fundamentos da educação para cultura da paz. Logo depois, Gandhi também trilhou o mesmo caminho, afirmando que “Não existe caminho para a paz, a paz é o caminho” e a não-violência ativa como princípio de vida para resolução de conflitos de forma pacífica, como a não-cooperação, desobediência e desafio objetivando controlar os governantes e as experiências de alterar e minar políticas governamentais e sistemas políticos.
A partir de Gandhi, este movimento desenvolveu-se em várias direções, como o movimento da igualdade racial, movimento antinuclear e antimilitarista, movimento ecológico, movimento pelos direitos humanos, movimento pelas mulheres e pela igualdade dos sexos, etc.
Em 1948, quando a UNESCO (Organizações das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) foi fundada através da ONU (Organizações das Nações Unidas), afirmou em seu preâmbulo na relação entre a paz e a cultura humana que “se as guerras nascem no espírito do homem, é no espírito dos homens que devem ser construídas as defesas de paz”. Em 1949, Maria Montessori lança a o primeiro livro dedicado inteiramente a educação para a paz, intitulado de “A Educação e a Paz”.
No movimento da Contracultura e da geração New Age, na década de 60, a paz passa a receber forte influência das religiões orientais e do referencial teórico e prático de Abraham Maslow no seu movimento do potencial humano nos EUA, que propunha: a liberdade, o diálogo com o outro, autonomia individual em contraponto às instituições sociais , atenção ao presente e as sensações, ampliação da consciência, espiritualidade oriental versus ocidental, desenvolvimento da sensibilidade versus racionalidade, não-rigidez do comportamento, contato corporal, atualização das potencialidades, harmonia com a natureza versus desenvolvimento tecnológico e a crença na energia universal. A partir daí a paz ganha destaque e desemboca no movimento hippie e nas suas propostas de “ paz e amor” e “faça amor nao faça guerra”.
O movimento da contracultura, desenvolveu uma série de macromovimentos socioculturais entre as classes médias do Ocidente, como a reforma do movimento pacifista, esquerdista, feminista; deu forma aos movimentos estudantis, ecológico e de poder cidadão.
No final dos anos 70 e inicio dos 80, com movimento do potencial humano, a paz ganhou contornos de caráter teosófico, vindos das rede da Nova Era, promovendo a transcendentalização do ser humano, pregando que todos os homens possuem uma centelha divina no seu interior e que todas as religiões e tradições místicas são uma única verdade, embora se expressem de formas diferentes e que a paz se dá no nível pessoal, devendo ser cultivada também no plano espiritual.
Em 1986, os membros da UNESCO assinam o Manifesto de Servilha, afirmando que “Que a biologia não condena a humanidade à guerra” e que “A mesma espécie que inventou a guerra também é capaz de inventar a paz.”.
E mais recentemente, em 1999, o conceito de cultura de paz, tomou uma dimensão bem mais ampla em sua publicidade e em seu sentido quando a UNESCO estabeleceu o Ano 2000 como Ano Internacional por uma Cultura de Paz e a década de 2000-2010, como a Década Internacional por uma Cultura da Paz e Não-Violência para as crianças e os jovens no mundo e a cultura de paz passou a ser definida como:
“Um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e modos de vida fundados sobre uma série de aspectos, como por exemplo: o respeito à vida, ao princípio de soberania, aos direitos humanos, à promoção de igualdade entre homens e mulheres, à liberdade de expressão; o compromisso de resolver pacificamente os conflitos; os esforços desenvolvidos para resolver as necessidades planetárias e a promoção do desenvolvimento entre os povos.”
Segundo que para este mesmo órgão, o conceito de paz ou cultura de paz abrange elementos relativos tanto nos macroprocessos, quanto nos microprocessos da sociedade, de forma a incluir todo o corpo social, cultural, econômico e político numa visão mais ampla. Sendo que o termo cultural deve ser entendido como: “expressões produzidas e criadas pela humanidade, portanto, como uma realidade ligada ao ato de aprender e educar e como aquilo que subjaz a estas mesmas expressões”.
Atualmente, depois de tantos investimentos feitos por vários setores da sociedade para a promoção da paz, muitas outras pessoas, grupos e instituições do mundo todo passaram então a engendrar esforços, a se mobilizar e a buscar iniciativas através da educação para substituirmos a cultura da violência para uma cultura da paz.
Infelizmente, em muitos sistemas educacionais a paz não é contemplada, porque ainda se têm em seu processo ensino-aprendizagem associados à reprodução do sofrimento e da violência, ao desprazer e a repetição, a banalização e não a criação, a imaginação e o encantamento.
Caso, voce saiba algum processo histórico e ou alguma história sobre a paz e a formação da sua cultura, contribua postando um comentário!